O Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou na quarta-feira, 16 de outubro de 2023, uma proposta de reforma do setor elétrico, com potencial para transformar a relação entre consumidores, distribuidoras e geradoras. O foco principal da proposta é a revisão dos subsídios concedidos a consumidores de energia eólica e solar, visando direcionar recursos para a ampliação da tarifa social de energia elétrica, que poderá beneficiar até 60 milhões de brasileiros cadastrados em programas sociais.
Com a nova configuração, as famílias que consumirem até 80 kWh por mês terão isenção total da conta de luz. Aqueles que excederem esse limite pagarão somente pela diferença. Estima-se que 4,5 milhões de lares terão suas faturas completamente zeradas, enquanto aproximadamente 21 milhões receberão descontos ao serem isentos da cobrança da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O custo estimado para essa ampliação é de R$ 5,4 bilhões anuais, que será rateado entre os consumidores regulados, resultando em um acréscimo projetado de 1,5% nas tarifas.
A proposta também busca promover mudanças significativas no funcionamento do mercado elétrico, prevendo a abertura gradual do mercado livre para consumidores de baixa tensão. A partir de 2027, empresas de médio porte poderão escolher seus fornecedores de energia, e em 2028, essa possibilidade será estendida a consumidores residenciais, que atualmente são restritos a grandes consumidores.
Outro aspecto relevante da reforma é a alteração nos subsídios que favorecem as usinas de geração incentivada, principalmente no setor de energia renovável. Contratos novos ou renovados com geradoras de energia eólica e solar perderão o desconto de 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd), que representa aproximadamente R$ 30/MWh. Esse desconto tem sido um diferencial no mercado livre, permitindo preços competitivos em relação a hidrelétricas e usinas térmicas.
Segmentos Afetados
A proposta é considerada ambiciosa, atacando distorções estruturais como os incentivos à autoprodução e as desigualdades nas tarifas entre consumidores livres e cativos. Segundo análise da XP Investimentos, uma das questões mais controversas será a sugestão de repassar custos das usinas nucleares para os consumidores livres, o que pode enfrentar resistência no Congresso.
A XP destaca que, se aprovadas, as novas regras podem ser bem recebidas pelas distribuidoras. Isso se deve ao alívio nos encargos tarifários para clientes de baixa renda, além de ajudar na reorganização da CDE, que é uma das principais fontes de repasses ao consumidor final. As mudanças também visam resolver a sobrecontratação das distribuidoras, o que pode amenizar os problemas financeiros no setor regulado.
Entretanto, os impactos esperados variarão conforme o perfil das empresas geradoras. Empresas tradicionais poderão se beneficiar, enquanto fontes renováveis e autoprodutores podem enfrentar dificuldades se não se adaptarem. A revisão nos subsídios pode afetar a atratividade de novos projetos. Além disso, a proposta inclui novas diretrizes para a cobrança de uso da rede de transmissão, que promete gerar amplo debate entre parlamentares e reguladores.
O Bradesco BBI avalia que a retirada do desconto representa uma equiparação nas condições entre fontes tradicionais e renováveis, o que pode impactar a precificação da energia hidrelétrica. Contudo, o aumento no custo marginal para novos projetos solares e eólicos poderá afetar sua viabilidade econômica.
Vale ressaltar que, segundo os analistas, os contratos vigentes ainda manterão os benefícios, e o subsídio na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) permanecerá. As distribuidoras, por sua vez, enxergam a ampliação da tarifa social com cautela. Embora a inclusão de mais consumidores possa reduzir a inadimplência, isso poderá resultar em um aumento nos índices de inadimplência entre os demais consumidores.
O Bradesco BBI pondera que essas medidas podem ajudar a conter o crescimento da CDE, que nos últimos anos tem elevado os custos da energia. Caso a proposta seja aprovada integralmente, há esperanças de estabilização tarifária no médio prazo. No entanto, informações do setor industrial indicam preocupações em relação à retirada de incentivos, que podem elevar os custos de eletricidade para grandes consumidores e frear investimentos em novas fontes limpas.
A mudança nas regras para autoprodução e a redistribuição dos encargos nucleares são vistas com ressalvas por setores que dependem de contratos de longo prazo e previsibilidade tarifária. O Itaú BBA, por sua vez, reconhece a necessidade de uma modernização regulatória, mas alerta para o risco de alterações que possam surgir durante a tramitação legislativa.
O projeto já gerou descontentamento dentro do governo, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitindo desconhecimento sobre o conteúdo da proposta, o que causou desconforto político. O ministro do MME, Alexandre Silveira, atribuiu o incidente a uma falha de comunicação e garantiu que a reforma não necessitará de recursos do Tesouro Nacional, sendo financiada apenas via realocação da CDE.
Recepção do Mercado
A reação dos agentes do setor foi mista. A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) elogiou a proposta, afirmando que ela pode aumentar a competitividade e reduzir em até 30% a conta de luz, democratizando o acesso ao mercado. Em contrapartida, especialistas em regulação ressaltam a necessidade de um esforço coordenado entre ministérios e a indústria para que a reforma alcance seus objetivos, evitando medidas que comprometam a lógica do novo modelo.
A proposta ainda precisa ser aprovada pela Casa Civil antes de seguir para o Congresso Nacional, e não há cronograma definido.
(com informações da Reuters)