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Leïla Slimani aborda França e Marrocos em nova obra

Mathilde observa seu jardim no interior do Marrocos, enquanto uma escavadeira destrói árvores como jacarandás, salgueiros e abacateiros. Esse local é especial para ela, pois foi onde brincou com seus filhos durante muitos anos. A construção de uma piscina no lugar do jardim simboliza a ascensão da família de Mathilde à classe média, após anos trabalhando na agricultura. Além disso, reflete a sensação de deslocamento que ela sente como francesa vivendo em Marrocos.

A autora Leïla Slimani, de origem franco-marroquina, é uma das mais reconhecidas da França. Seu livro “Canção de Ninar” venceu o Prêmio Goncourt em 2016, o mais prestigiado prêmio literário de língua francesa. No ano seguinte, Slimani assumiu um cargo diplomático representando questões francófonas.

Slimani deve ganhar destaque no Brasil nos próximos anos, especialmente com a adaptação cinematográfica de seu livro “No Jardim do Ogro”, que está sendo produzida pela plataforma Globoplay e contará com a atriz Alice Braga.

O romance “Vejam Como Dançamos” é a segunda parte de uma trilogia inspirada na família de Slimani. A primeira parte, “O País dos Outros”, foi lançada no Brasil no ano passado, e a terceira parte, “Levei o Fogo Comigo”, é esperada para o próximo ano. A trilogia se desenrola ao longo de várias décadas, começando na década de 1940 e acompanhando a vida de Mathilde, seu marido Amine, seus filhos e vizinhos, ao mesmo tempo em que retrata as mudanças sociais significativas que ocorrem no Marrocos.

O segundo volume, “Vejam Como Dançamos”, se passa nos anos 1960, período marcado por repressão sob o rei Hassan e uma nova abertura cultural. A construção da piscina, uma cena que antes parecia improvável no Marrocos rural, reflete as mudanças da sociedade. A narrativa destaca que, em um país historicamente dependente da agricultura e da guerra, agora só se fala em urbanização e desenvolvimento.

Slimani apresenta essas questões de forma sutil, evitando o didatismo. Ela não expõe diretamente suas ideias sobre a complexidade das identidades francesa e marroquina que aparecem, por exemplo, no casamento de Mathilde e Amine.

A relação entre a França e o norte da África é um tema relevante no debate público francês desde o século 20. A colonização de países como Marrocos, Argélia e Tunísia pela França gerou uma grande onda de imigração e discussões sobre a identidade nacional. Famílias de origem norte-africana enfrentam dificuldades e preconceitos, sendo frequentemente consideradas menos “francesas”.

Em “Vejam Como Dançamos”, Slimani aborda essa questão de forma inteligente. Mathilde, que nasceu na França e se casou com um marroquino, fala fluentemente árabe. Seu marido se integrou a um clube elitista francês, enquanto seu filho Selim, nascido no Marrocos, tem características que o distinguem. Sua filha Aïcha casou-se com um judeu, complicando ainda mais a noção de identidade familiar.

A trilogia de Slimani impressiona ao acompanhar gerações consecutivas da mesma família, em um esforço semelhante ao do escritor egípcio Naguib Mahfouz, o único autor de língua árabe a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. A autora explora diferentes cidades marroquinas, como Meknes, Rabat e Essaouira, e varia as perspectivas narrativas, apresentando pontos de vista que se complementam e conflitantes, o que pode deixar o leitor um pouco confuso em meio a tantos personagens.

Apesar disso, a trilogia de Slimani é fundamental para quem se interessa pela literatura da França e do Marrocos. Ela consegue misturar e confundir as classificações culturais, ao criar um texto que dialogue com duas culturas frequentemente retratadas de forma separada na ficção.

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