Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, tradicionalmente vistos como ativos isentos de risco e refúgio para investidores em tempos de crise, estão enfrentando uma erosão significativa de sua reputação. Essa mudança ocorre em um contexto de crescente incerteza econômica, exacerbada pelas políticas comerciais do presidente Donald Trump.
Recentemente, os juros nos títulos de longo prazo dispararam, enquanto o valor do dólar caiu drasticamente. Os movimentos do mercado indicam um padrão preocupante: investidores têm desfeito maciçamente suas posições em Treasuries de 10 e 30 anos, resultando em uma queda nos preços e aumento dos rendimentos. Isso acontece simultaneamente à liquidação de ações, criptomoedas e outros ativos considerados de risco.
A reativaçãon de venda de Treasuries durante períodos de alta no mercado revela a nova percepção dos investidores sobre esses títulos. Eles estão sendo tratados como ativos de risco, semelhante ao que ocorre com a dívida de países emergentes. De acordo com o ex-secretário do Tesouro, Lawrence Summers, essa mudança de postura é representativa da crescente desconfiança em relação à dívida americana.
Além disso, essa nova realidade levanta questões sérias sobre a confiança dos investidores em relação ao futuro das finanças públicas dos EUA. O aumento constante do endividamento e as políticas imprevisíveis do governo trazem à tona preocupações sobre a gestão fiscal e monetária do país.
Os Treasuries desempenham um papel crucial no sistema financeiro global, servindo como referência para a precificação de uma ampla gama de ativos financeiros, incluindo ações, títulos soberanos e hipotecas. A insegurança em torno deles pode ter impactos amplos no mercado mundial. Para Jim Grant, fundador da Grant’s Interest Rate Observer, a força dos títulos do Tesouro e do dólar está profundamente ligada à percepção global sobre a solidez das instituições políticas e financeiras americanas, um aspecto que pode estar sendo reavaliado pelos investidores.
Na quinta-feira, um evento notável foi a queda simultânea de ações, títulos e do dólar, alimentando temores de uma evasão de capital estrangeiro dos ativos dos Estados Unidos. O juro dos Treasuries de 30 anos, por exemplo, subiu 13 pontos-base, alcançando 4,87%, enquanto o dólar enfrentou a mais significativa desvalorização em uma década contra o euro e o franco suíço.
Padhraic Garvey, estrategista do ING, comentou que os Treasuries não estão mais agindo como um porto seguro. Com a possibilidade de recessão, há espaço para que os rendimentos voltem a cair, mas a percepção atual é de que esses ativos foram "contaminados" e tornaram-se uma escolha dolorosa para os investidores.
Os títulos alemães, conhecidos como bunds, vêm se destacando como uma opção preferida por gestores em busca de segurança, refletindo uma tendência preocupante em que os Treasuries perdem cada vez mais terreno. Recentemente, a pressão vendedora sobre a dívida americana foi tão intensa que alguns analistas sugeriram uma intervenção do Federal Reserve para estabilizar os mercados.
Simon White, estrategista macroeconômico, afirmou que os Treasuries estão perdendo sua posição de segurança e que o capital está saindo dos EUA em ritmo acelerado, à medida que o dólar se torna menos confiável como moeda de reserva. Para alguns analistas, como Benson Durham da Piper Sandler, no entanto, ainda existem sinais de que os investidores não abandonaram completamente a confiança na dívida americana, com algumas métricas indicando um menor prêmio de risco para segurar títulos dos EUA em comparação a papéis do Reino Unido e Alemanha.
As mudanças recentes ressaltam um novo regime no mercado de renda fixa, instigando preocupações sobre a saúde financeira do país e suas implicações globais.