A crescente escalada de tarifas entre os Estados Unidos e a China está desmantelando uma relação comercial de décadas, ameaçando não apenas o futuro das duas potências, mas também a economia global. O atual confronto tarifário é mais intenso do que os conflitos ocorridos durante o primeiro mandato do ex-presidente Donald Trump, quando as taxas foram aumentadas de forma gradual ao longo de 14 meses. Agora, os aumentos foram implementados em questão de dias, abrangendo um número maior de produtos.
Em 9 de abril de 2025, Trump respondeu à decisão da China de igualar uma tarifa de 50% — imposta como retaliação a um tributo anterior dos EUA — com um novo aumento de alíquota sobre importações chinesas, que agora atinge 125%. A China, por sua vez, triplicou suas tarifas sobre bens americanos, elevando a alíquota para 84% e reafirmando sua intenção de “lutar até o fim”, seguindo a estratégia do presidente Xi Jinping de reposicionar Pequim como o centro da ordem global.
Orville Schell, diretor do Centro de Relações EUA-China da Asia Society, afirmou que "estamos nos aproximando de um rompimento monumental", destacando a fragilidade do tecido comercial que une os dois países.
EUA e China: uma relação conturbada
Historicamente, a relação entre EUA e China tem sido crucial para a economia global no século 21. A produção nas fábricas chinesas permitiu que empresas americanas reduzissem custos e aumentassem lucros, beneficiando também os consumidores. A China, em contrapartida, experimentou um crescimento no emprego e investimentos que contribuíram significativamente para a redução da pobreza.
No entanto, essa dinâmica começou a ser questionada com a ascensão da China como uma potência global, levando os EUA a temerem sua vulnerabilidade ao controle chinês sobre insumos estratégicos para setores tecnológicos. O desentendimento atual traz incertezas sobre qual lado cederá primeiro e as consequências disso para as economias das duas nações e seus parceiros comerciais.
Economistas preveem que o impasse poderá levar os EUA à recessão, enquanto a China enfrenta um cenário de divórcio forçado de seu maior parceiro comercial, que consome mais de US$ 400 bilhões em produtos anualmente. A crise no setor imobiliário e a baixa confiança dos consumidores adicionam pressão ao quadro econômico chinês.
Impacto nos EUA
Os efeitos das tarifas devem ser amplamente sentidos na economia americana. Segundo Wendong Zhang, professor da Universidade Cornell, aproximadamente 73% dos smartphones, 78% dos notebooks e 87% dos consoles de videogame vendidos nos EUA têm origem na China. Além disso, a China ainda se recupera de uma grave crise imobiliária, enfrentando um alto nível de desemprego.
Recentemente, o Goldman Sachs reavaliou suas projeções de crescimento para a China, reduzindo a estimativa de 4,5% para 4%, ainda que esse seja um nível elevado por padrões americanos. Essa desaceleração nas expectativas de crescimento se dá em um contexto em que os parceiros comerciais demonstram cautela quanto à crescente presença de produtos chineses em seus mercados.
Os pequenos negócios, como a empresa de John K. Thomas, que fabrica termômetros eletrônicos para animais na Califórnia utilizando componentes chineses, estão entre os mais afetados pela ruptura na relação. Ele viu seu segundo maior mercado se transformar em um cenário de incerteza e aumento de tarifas, tornando-se impossível manter a clientela na China diante da pressão tarifária.
Com a possibilidade de exclusão do mercado chinês, Thomas expressou sua preocupação: “Com uma alíquota de 84%, estamos completamente fora.” A escalada de tarifas entre os EUA e a China não só reconfigura suas economias, mas embute riscos significativos para a economia global como um todo.