Pequim – Com a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China nesta semana, os luxuosos distritos comerciais de Pequim ainda demonstram movimento. Consumidores circulam por lojas de perfumes de alta qualidade, relaxam em cafés e fazem fila em padarias da moda, refletindo uma cena que o governo chinês espera ver em meio a possíveis desdobramentos desastrosos nas relações comerciais.
Enquanto o presidente Donald Trump mantém tarifas superiores a 125% sobre produtos chineses, a China se recusa a voltar atrás. Além de responder com tarifas de 84% sobre importações americanas, o governo chinês pretende mitigar os efeitos sobre suas exportações – da qual a economia depende significativamente – estimulando o consumo interno.
O People’s Daily, órgão de comunicação do Partido Comunista Chinês, destacou que, com as tarifações elevadas, a China concentrará esforços para que o consumo se torne a principal alavanca do crescimento econômico, maximizando o potencial de seu vasto mercado. Contudo, essa mudança não é simples. O consumo doméstico enfrenta desafios significativos, com uma recuperação econômica pós-pandemia insatisfatória, fechamento de fábricas e um alarmante índice de desemprego juvenil.
Desafios no Consumo
Apesar da movimentação nas lojas de Taikoo Li, a realidade do comércio é mais complexa. Os consumidores chineses adotam uma postura de cautela, em busca de ofertas e promoções. Qu Nan, empresário de 38 anos, compartilhou que, após uma queda de 20% na sua empresa desde a pandemia, suas prioridades de consumo mudaram. Ele agora hesita em gastar US$ 25 a US$ 40 em refeições fora, optando por cozinhar em casa para economizar.
A guerra comercial pode exacerbar essa cautela, principalmente em um momento em que o governo prioriza o aumento do consumo. Qualquer desaceleração nas exportações impacta diretamente fabricantes em áreas como roupas e eletrodomésticos, levando, potencialmente, a salários mais baixos e aumento do desemprego. Segundo Zhou Mi, pesquisador vinculado ao Ministério do Comércio da China, a economia é interconectada, e consumidores são também produtores.
Resultados de Pesquisas e Consumo em Alta
Antes da escalada das tensões comerciais, havia sinais de melhora nas intenções de consumo. Uma pesquisa trimestral realizada pelo Deutsche Bank em março revelou que 54% dos consumidores se sentiam financeiramente mais seguros do que no ano anterior, e 52% manifestaram disposição para aumentar seus gastos.
O movimento também foi notável durante o Festival de Limpeza dos Túmulos, quando foram realizadas 126 milhões de viagens domésticas, com um gasto total de aproximadamente US$ 8 bilhões, cerca de 6% acima dos números do ano anterior e superando os padrões pré-pandemia.
Contudo, a imposição de tarifas pela administração Trump teve um impacto imediato. O comércio dos EUA com a China é majoritariamente voltado para produtos intermediários, como soja e equipamentos agrícolas, em contraste com os bens de consumo diretos que afetam a vida cotidiana dos americanos. A China, por sua vez, tem buscado diversificar suas cadeias de suprimento desde a primeira rodada de tarifas.
Atualmente, o Brasil toma a frente como principal fornecedor de soja da China, enquanto marcas americanas, como a Nike, lidam com menor necessidadde de aumentar preços, uma vez que muitos de seus produtos são fabricados fora dos EUA. No entanto, alguns produtos, como eletrônicos e automóveis, provavelmente enfrentarão aumentos de preço significativos, especialmente os veículos americanos, que já perdem espaço no mercado chinês.
Ye Yi, importador de vinhos, relatou uma queda de 70% a 80% nas vendas este ano, citando a conscientização dos consumidores sobre os custos e sua decisão de optar por alternativas mais baratas. Ele não planeja importar mais vinho americano e considera abandonar o ramo em face das tarifas. “Estamos montando um burro enquanto procuramos um cavalo,” disse ele, refletindo a dificuldade dos negócios atuais.
Além das tarifas, o principal obstáculo ao consumo na China é a falta de disposição dos consumidores para gastar. O mercado tem sido marcado por guerras de preços e uma forte demanda por opções mais baratas, com marcas econômicas ganhando destaque. A empresa de viagens Qunar creditou o aumento nas atividades turísticas a preços de hospedagem mais acessíveis durante o festival.
Incertezas Econômicas Persistem
Embora as tarifas impactem negativamente os fabricantes chineses, levando a cancelamentos de pedidos e redução nos níveis de demanda, a confiança do consumidor, que havia registrado ligeiras melhoras, parece estar estagnando. As ações chinesas caíram marcadamente esta semana, mesmo com ações governamentais destinadas a estabilizar os mercados.
Para muitos economistas, o verdadeiro desafio para estimular o consumo na China reside na necessidade de investimentos substanciais na rede de proteção social do país. As famílias enfrentam custos médicos altos e a falta de pensões coloca pressão sobre a população rural. De acordo com Xu Tianchen, analista da Economist Intelligence Unit, a segurança financeira é crucial para aumentar a disposição ao gasto. O governo se comprometeu a aumentar salários, pensões e benefícios de saúde.
Com a realidade do comércio entre EUA e China tornando-se cada vez mais complexa, especialistas sugerem que reformas são essenciais para suportar o consumo interno. A expectativa é que mudanças efetivas levarão anos para serem implementadas, enquanto os consumidores continuarão a agir com cautela. Zhao Yong, fotógrafo de 42 anos, expressou esperança de que o governo introduza políticas que amenizem os efeitos da guerra comercial, mas, até lá, muitos estão optando por investir em ativos como ouro.
Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.
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