Um relatório do Ministério da Justiça e Segurança Pública alertou as autoridades do Rio de Janeiro sobre uma aliança entre as duas principais facções criminosas do Brasil: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). O documento, apresentado há aproximadamente dois meses, revela que essas organizações se uniram para realizar atividades de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e aquisição de armamentos pesados.
De acordo com Victor dos Santos, secretário de Segurança Pública do Rio, “o Comando Vermelho adotou a sofisticação que o PCC utiliza há anos para dominar a lavagem de dinheiro e a movimentação estratégica dessas finanças”.
A Secretaria de Polícia Civil identificou a aliança por meio do monitoramento das transações financeiras das facções. Investigadores descobriram que os criminosos criaram um banco digital para encobrir suas operações. “As organizações utilizavam a mesma fintech para movimentar recursos provenientes de atividades ilícitas, pulverizando o dinheiro após sua passagem pela instituição”, explicou Felipe Curi, secretário de Polícia Civil.
Em 10 de outubro de 2023, a Polícia Civil lançou a Operação Contenção, a maior ação até o momento contra o núcleo financeiro do Comando Vermelho. De acordo com a Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), o PCC e o CV movimentaram aproximadamente R$ 6 bilhões ao longo de um ano por meio de empresas de fachada e fintechs.
Desvendando o esquema
O esquema foi identificado após instituições financeiras emitirem alertas sobre movimentações suspeitas, como depósitos em dinheiro vivo, feitos em pequenas denominações (R$ 5, R$ 10 e R$ 20), por indivíduos associados a comunidades sob controle do Comando Vermelho. Em um dos casos, a polícia apreendeu R$ 152 mil com um indivíduo que tentava realizar um depósito desse tipo.
Os valores eram centralizados em uma empresa registrada em São Paulo, que, segundo a investigação, não existia fisicamente. Cadastrada em nome de uma mulher que recebia auxílio emergencial, a empresa movimentou cerca de R$ 200 milhões em um único ano. O dinheiro, em seguida, era distribuído entre inúmeras outras empresas de fachada de diversos segmentos, desde floriculturas até plataformas contábeis, antes de ser consolidado em uma fintech chamada Fortbank, que atuava como banco digital sem autorização do Banco Central.
A sócia formal da Fortbank, uma jovem de 24 anos, retirou R$ 15 milhões em apenas três dias. Segundo os investigadores, o verdadeiro controlador da fintech seria seu padrasto, vinculado a um dos líderes do PCC, atualmente encarcerado.
Parte dos recursos era transferida para instituições financeiras em regiões de fronteira, como Paraguai e Bolívia, para a compra de drogas e armamentos. Outra parte retornava ao Rio como lucro e alimentava um fundo da facção, semelhante a uma “previdência paralela”, que garante benefícios a familiares de detentos e lideranças do Comando Vermelho.
“A operação de hoje abordou todos os elementos do esquema: desde os operadores financeiros que recebiam comissões até empresários e empresas de fachada. Quase 30 empresas de diferentes setores, como floricultura, contabilidade, transporte e publicidade foram envolvidas, além do banco digital, que servia como o destino final desses recursos”, detalhou Jefferson Ferreira, delegado da DRF.
A ação resultou no cumprimento de 46 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Um dos alvos, Thiago Gonçalves, operador financeiro procurado pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro e organização criminosa, foi preso. Ao todo, cerca de 100 agentes de diferentes delegacias especializadas do Rio, com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e da Polícia Civil de São Paulo, participaram da operação.