Os segredos da indústria automotiva no Brasil

Na semana passada, o governo federal e a montadora BYD inauguraram a primeira fábrica de carros elétricos da empresa chinesa no Brasil, situada em Camaçari, na Bahia. A cerimônia contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin. Durante os discursos, os líderes enfatizaram a importância da reindustrialização sustentável, da geração de empregos e da soberania nacional, destacando também a necessidade de uma mobilidade mais limpa com o uso de energias renováveis.
No entanto, não houve menção ao passado recente da obra, que foi alvo de investigações por condições de trabalho consideradas análogas à escravidão. Documentações revelam que, em 2024, a situação dos trabalhadores chineses na construção da fábrica foi exposta, destacando graves irregularidades. O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação civil pública contra a BYD e suas empreiteiras por violações trabalhistas.
O MPT apurou que a empresa teve responsabilidade direta na entrada irregular de 471 operários chineses no Brasil. As investigações apontaram trabalho forçado, condições de trabalho degradantes e jornadas de trabalho exaustivas, que alcançavam dez horas diárias. Os trabalhadores relataram que seus passaportes eram retidos e que enfrentavam descontos abusivos em seus salários, além de terem que dividir alojamentos precários — um banheiro para 31 pessoas.
Diante da recusa da BYD em assinar um Termo de Ajuste de Conduta, o MPT pede na ação que a empresa e suas contratadas sejam condenadas a indenizar a sociedade em 257 milhões de reais por danos morais coletivos, além de exigir o cumprimento das leis trabalhistas e a proibição do tráfico de pessoas e trabalho escravo.
Durante a inauguração da fábrica, Lula comentou que a chegada da BYD representa um avanço tecnológico para a indústria automotiva brasileira, afirmando que é um sinal de que situações complicadas, como a saída da Ford de Camaçari, podem ser revertidas. Ele fez um apelo para que os veículos fossem oferecidos a preços acessíveis aos funcionários da montadora, afirmando que é importante que os trabalhadores possam dirigir os carros que produzem.
Recentemente, o Ministério do Trabalho e Emprego também autuou a BYD por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão. A empresa poderá contestar as autuações em duas instâncias administrativas. Caso não consiga reverter a situação, poderá ser incluída na Lista Suja do Trabalho Escravo, que é um registro do governo federal que expõe empregadores que foram flagrados por violações dessa natureza.
A inclusão da BYD na lista poderá ser comparada ao tratamento dado a empresas como a JBS. Recentemente, o ministro do Trabalho tomou uma decisão que suspendeu a inclusão da JBS Aves na lista, algo que não era comum desde a criação desse registro em 2003.
Além disso, o caso da BYD não é isolado no setor automotivo. Outras investigações, como o caso da Toyota, mostraram que materiais utilizados por montadoras nos Estados Unidos têm origem em locais que utilizam mão de obra escrava no Brasil. Nesse contexto, trabalhadores foram resgatados em situações de exploração, revelando um problema amplo e consolidador no setor.
O histórico de exploração se estende ainda à Volkswagen, que foi condenada a pagar 165 milhões de reais por práticas de trabalho escravo entre 1974 e 1986, nas quais muitos trabalhadores foram levados por aliciadores para trabalhar sob condições desumanas.
Embora a indústria automobilística brasileira tenha raízes que remontam ao governo Juscelino Kubitschek, em 1956, e seja vista como um eixo de progresso e desenvolvimento, o setor continua a enfrentar questões sérias relacionadas a violações dos direitos trabalhistas. Com sua significativa contribuição de 4% ao PIB brasileiro e seus mais de um milhão de empregos gerados, a indústria, que também beneficia de incentivos fiscais que ultrapassam 80 bilhões de reais desde os anos 2000, não está isenta de práticas antigas que afetam muitos trabalhadores. Essas realidades contrastam com a imagem de modernidade que algumas montadoras tentam assinalar atualmente.