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Privacidade em Jogo: Aplicativo Paga Usuários por Gravações de Voz para Treinamento de IAs

O Neon Mobile é um aplicativo que, apesar de sua premissa aparentemente simples, conquistou uma popularidade impressionante nos últimos tempos. O aplicativo se propõe a gravar as ligações telefônicas dos usuários e, em contrapartida, realizar pagamentos por esses áudios gerados. Posteriormente, esses dados são vendidos para empresas de inteligência artificial com o objetivo de serem utilizados no treinamento de algoritmos de IA. Na última quarta-feira (24), o aplicativo atingiu o segundo lugar na seção de redes sociais da App Store, loja da Apple, chamando atenção para a crescente discussão sobre privacidade na era digital.

De acordo com informações disponíveis no site oficial do Neon Mobile, os usuários que realizam ligações para outros clientes do aplicativo podem receber US$ 0,30 por minuto, o que equivale a aproximadamente R$ 1,60, chegando a um máximo de US$ 30 por dia, cerca de R$ 160. Nas condições expressas nos termos de serviço do app, todas as conversas telefônicas são gravadas, mas, no caso de a outra pessoa não ser um usuário do Neon, apenas o lado do usuário é mantido. Mesmo que, em teoria, a proposta de permitir que o usuário decida o que fazer com seus dados seja positiva, tal prática levanta debates acirrados sobre ética e privacidade.

A política de privacidade do Neon Mobile, ao ser analisada, pode gerar questionamentos sobre as possibilidades de utilização dos dados dos usuários. Um trecho significativo do documento indica que, ao submeter gravações ou outras informações ao serviço, os usuários concedem à Neon Mobile o direito e a liberdade de vender, usar, armazenar, transferir, exibir publicamente e modificar essas gravações. Esse direito é descrito como mundial, exclusivo, irrevogável, transferível e livre de royalties, abrindo inúmeras possibilidades sobre o que pode ser feito com os dados.

Nos Estados Unidos, as práticas do aplicativo não violam nenhuma legislação, pois ao não registrar o outro lado da ligação, ele não infringe as leis contra escutas telefônicas. Entretanto, em muitos estados e outros países, a gravação de conversas requer o consentimento de ambas as partes. As declarações da Neon afirmam que informações como nomes, e-mails e números de telefone dos usuários são retiradas antes que os dados sejam comercializados. Porém, a empresa não esclarece o uso exato que seus parceiros farão dessas informações.

O uso das gravações para o treinamento de IA levanta preocupações adicionais. Além da possibilidade de integrar a voz dos usuários em sistemas de inteligência artificial, há o risco de que a mesma possa ser adulterada e utilizada em golpes. Ainda que a intenção inicial da Neon possa não ser maliciosa, os riscos de má utilização por parte de outras empresas ou vazamentos de dados existem. Casos de falta de segurança ou uso indevido não são inéditos, como demonstra o passado de escândalos de dados envolvendo grandes empresas.

Essa situação desperta um alerta sobre até onde os usuários estão dispostos a ir em troca de recompensas financeiras, ainda que estas sejam mínimas. Ainda que a decisão de vender dados seja do próprio usuário, é questionável o quanto os indivíduos estão informados sobre a abrangência das informações compartilhadas e o impacto disso em sua privacidade e segurança pessoal. Isso remonta ao episódio de 2019, quando uma investigação expôs a prática do Facebook de incentivar adolescentes a baixar aplicativos que rastreavam seus celulares.

Observa-se um aumento na popularidade de aplicativos que monetizam dados pessoais, refletindo uma mudança na percepção dos usuários sobre privacidade na era digital. No entanto, a decisão de compartilhar conversas privadas por centavos ainda é um tema que suscita muitos questionamentos, especialmente quando se considera a possibilidade de exposição indesejada de informações pessoais sensíveis.

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